A Revista Veja desta semana, que tem uma ampla cobertura da tragédia no Haiti, divulgou o ranking dos maiores terremotos de todos os tempos. A lista avalia o número de mortos e a magnitude conforme a escala Richter. Em terceiro lugar aparece o tremor de Kanto, no Japão, em 1923. Foram 7,9 graus na escala e 143 mil mortos. O de Haiyuan, na China, em 1920, chegou a 7,8 graus, com 200 mil mortos. E em primeiro, com o número de mortos estimado em 250 mil pessoas, o terremoto de 1976, em Tangshan, na China. Foram 7,6 graus na escala. São três grandes tragédias de uma lista de dez reunida pela revista. O que não aparece nela é o terremoto de Valdívia, no Chile, que não matou tanta gente mas conseguiu atingir quase o limite da escala que mede os tremores e que chega a 10. O fenômeno foi tão intenso que quase metade do país se inclinou 15 graus durante dois dias de terremotos contínuos, originados em 56 epicentros. Toda a zona costeira com 40 km de largura e 1350 km de extensão, desde o norte de Concepción até a Ilha Grande de Chiloé foi violentamente sacudida e geograficamente modificada.
Tudo aconteceu em dois dias. Começou no sábado e terminou no domingo de tarde. Um fim de semana trágico para o Chile. Cerca de 45% das famílias no sul do país viviam em condições precárias na época. Três milhões de pessoas, habitantes de 13 das 24 províncias chilenas, acordaram precisamente às 06 horas, 2 minutos e 52 segundos do sábado, dia 11 de maio de 1960, com os primeiros tremores de terra. O epicentro foi perto da cidade litorânea de Concepción, com uma intensidade de 7,5 graus na Escala Richter. Era só o começo de uma tragédia anunciada. No mesmo dia, uma série de tremores em sequência, vários com intensidades entre 6 e 8 na Escala Richter, continuaram a sacudir e a torcer a terra violentamente. A pavimentação das ruas se estilhaçava contra paredes e janelas e abriam-se fendas pra todos os lados.
O terremoto de Valdivia foi na verdade um maremoto, pois o epicentro ocorreu no fundo do Oceano Pacifico, a 60 km abaixo do leito marinho, próximo a costa. A intensidade foi 9,5 graus na Escala Richter, o que representa o maior abalo sísmico já registrado em toda a historia da humanidade. Como resultado do abaixamento da terra, o nível relativo do mar chegou a nada menos do que 6 metros em centenas de quilômetros quadrados e intensificou as magnitudes das enormes tsunamis que vieram a seguir. O mar terminou afogando o pouco que havia sobrado e sobrevivido com os tremores violentos das últimas horas.
De acordo com os relatos de sobreviventes, no momento do grande maremoto, surgiram enormes manchas escuras na superfície do mar. Pescadores pensaram que fosse um cardume de baleias. Era sedimento ressuspendido pelo tremor do assoalho marinho. Imediatamente após o maremoto, ouviu-se um barulho estranho semelhante ao de um aspirador de pó, ao mesmo tempo em que o mar se retraia rapidamente até secar e expor partes do fundo da baia de Valdivia. Algumas pessoas (as únicas que se salvaram) se abrigaram nos morros ao redor da baia. Em seguida veio um silêncio e 15 minutos depois, surgiu o monstro no horizonte: uma onda de 25 metros de altura com velocidade maior do que 100 km por hora. Era o mar regressando. Exceto o super-homem, o que pode parar uma parede de água com essa altura e essa velocidade ?
Depois da tsunami, o resultado foi devastador. As vilas de Corral de Baixo e Niebla, localizadas na boca da baia de Valdivia, foram as que mataram as ondas gigantes no peito. Toda a população de Corral desapareceu. Famílias inteiras sumiram junto com suas casas, seus pertences e animais domésticos. Pescadores assustados com a seqüência de terremotos anteriores, carregaram seus barcos com toda a família, na ilusão de se livrar dos efeitos em terra. Também nunca mais foram encontrados. Vários navios ancorados no porto de Valdivia foram arrastados continente adentro. Um deles destruiu uma escola e varias casas. Outro foi parar atrás de uma fábrica têxtil. Até cidades a 1 km de distância do mar foram totalmente arrasadas.
Não se sabe ao certo quantos morreram uma vez que o fluxo de informação da época além de precário, havia sido totalmente bloqueado pela catástrofe múltipla. Estima-se que morreram pelo menos 10 mil pessoas, o que não é nada comparado à tragédia recente do Haiti. Mas nem só de mortos são feitas as tragédias. Foram quase 3 milhões de pessoas atingidas, entre mortos, feridos e prejudicados pela perda material e afetiva de casas, parentes e amigos. Isso foi em 1960, há 50 anos. Rádios, TVs e jornais da época estavam mais preocupados em noticiar a iminência da guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética do que a guerra tectônica que começou no fundo do mar. Mas foi esta que aconteceu. E parece que só o povo chileno lembra.
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