terça-feira, 24 de julho de 2007

DO NADA PARA LUGAR NENHUM



Poucas vezes me senti no meio do nada. Mas lembro que sempre gostei. Foi assim em uma estrada no interior da Argentina, que passava pela Sierra de La Ventana. O lugar era lindo e vazio. Parando o carro, não se ouvia mais nada. Nenhum motor, nem de longe. Nada de riacho ou sanguinha. Nem vento fazia barulho. Na verdade aquilo parecia cenário de filme. Sem nenhum ator. Uma paisagem retocada, pronta, só esperando a chegada dos protagonistas. Da Sierra de la Ventana eu trouxe uma foto. Deitado no meio da estrada. A região da patagônia argentina é cheia de lugares assim. Tem desertos, savanas... e lagos. Silenciosos lagos. Lagos que parecem mortos. Azuis e mortos no meio dos morros.




Os campos do Uruguai, logo na fronteira com o Brasil também são desse jeito. O carro segue pela estrada por horas e horas sem encontrar nenhum outro carro do outro lado. E pode ter certeza que nenhuma pessoa, por muito tempo. Lembro de um programa da Regina Casé em que ela parava no caminho e gritava, gritava, gritava... Nem vacas haviam para se espantar.




É por isso que até hoje quero muito conhecer a Antártida. O mundo branco, o vazio de cores, o silêncio completo. Todas as tentativas de ir para lá foram em vão. Mas não perco a esperança. Enquanto isso, vou encontrando desertos por aí afora. Como em São Desidério, no oeste da Bahia. Tirei estas fotos em uma lavoura de algodão, depois da colheita. Quando postei uma foto minha no orkut, nesse lugar, muita gente veio perguntar se era o Saara. Não era. Era a Bahia. Quem diria... Quase 32 mil hectares de lavouras. Uma imensidão de terra. As árvores que estavam mais perto pareciam formigas. O vento formava redemoinhos que a nossa equipe perseguiu por um bom tempo. Em vão. Não é fácil alcançar um furacão. Não é fácil dobrar o deserto, nem ouvir o som do silêncio. É como ir do nada para lugar nenhum. Você imagina o que não vê, alcança onde não chega, se enche do que não ouve. Estou louco pra encontrar de novo um lugar assim.

domingo, 22 de julho de 2007

IMPOSSÍVEL ABRIR O GUARDA-CHUVA PRO MUNDO


Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes,
das quatro estações,
dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa,
correnteza carregando os dias,
os cabelos.

(João Cabral de Mello Neto)

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Como se TUDO tivesse acontecido... (e aconteceu mesmo!)


A Katia tinha 43 anos. Katia Escobar. Normal que eu gostasse tanto dela. A melhor amiga da minha melhor amiga. A irmã escolhida da outra irmã que escolhi...


A Katia era um sorriso. Sempre. Nunca a vi resmungando ou de mau humor. Bem pelo contrário... Era ela quem vinha tentar de alguma forma me animar durante as rodadas de chopp, dizendo que tudo ia melhorar, que as coisas não iam ficar assim, que era questão de tempo. Foi ela quem primeiro me falou de reike e daquele método de harmonização da casa através da disposição dos móveis. Quando engrenávamos em um papo desses, ia longe. Ainda mais se eu começasse a falar que também acredito em extraterrestres.

A Katia era esotérica. E tinha um jornal para esotéricos. Era minha vizinha. E nem conhecia a minha casa. Nossos encontros eram em mesas de bar, entre lamentos e risadas. Meus, os lamentos, claro. Dela, só recebia gargalhadas e conforto. Ela chegou a dizer que estava fazendo reike pra mim, de longe, em um momento difícil, há bem pouco tempo.
A Katia foi tirada da minha vida e da de um monte de amigos de forma estúpida. Foi tão horrível que é difícil acreditar que tenha acontecido. Parece que ainda vou encontrá-la em algum bar, esperando eu e a Xanda atrasados. Com o mesmo sorriso nos lábios. E louca pra nos deixar mais felizes.

O desaparecimento da Katia deixou uma imensa sensação de perda. E não é tanto pelo carinho que recebia dela e não vou mais poder receber. É pelo tanto que ela ainda tinha pra me ensinar. E pelo muito que eu gostaria de ter aproveitado a presença dela.

Essa foto tiramos há exatos três meses, num barzinho cheio de quitutes gostosos, cerveja gelada e jazz, no centro de Porto Alegre. É a única que tenho com ela. E vou guardar pra sempre, junto com esse vazio. Um sentimento parecido com o de todos que perderam alguém no vôo JJ 3054 da TAM, no maior desastre aéreo da história do país.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

QUEM É QUEM?




Fulano de tal. É careca, usa óculos e está de gravata azul. É assim que eu identifico as pessoas no bloco de anotações, quando elas ainda estão distantes de mim. Minha memória visual é péssima.
Ontem estava em um seminário no Hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre, cheio de gente importante. E quase todos de gravata, o que reduz bastante as possibilidades de identificação por esta peça do vestuário. O jeito é apelar para traços da anatomia, calvície, obesidade... O primeiro dos futuros entrevistados eu tinha descrito brevemente ao lado do nome como sendo careca, de óculos e gravata azul. Quando ele deixou o painel de discussões, fiquei com o cinegrafista esperando que ele passasse. Um, dois, três, dezenas de gravatas. Um careca sem óculos. Um de óculos, mas bastante cabeludo. Um careca, de óculos e gordo. Putz, não anotei se era gordo ou magro... Mas a gravata era vermelha. Passa... Até que vem em minha direção o seu Cicrano, sorridente, se desvencilhando de outros jornalistas. Ok, ok, é ele... Tem tudo que estava descrito no bloco, claro. Finalmente! Bom dia, posso falar com o senhor, seu Fulano? Uma entrevistinha rápida... Ele sorri. E aqui me faz gelar. Já passei por isso antes. Olha, diz o senhor, posso até dar a entrevistinha. mas não sou o Fulano. Ele ainda está lá atrás. Sou o Cicrano. Cicrano careca. De óculos e gravata azul. Como outro que estava perto dele. Por que não escrevi se era gordo ou magro?
A falta de talento para identificação é um problema cada vez mais sério. No bar, nunca sei para qual garçom fiz o pedido. No trabalho, cheio de novas colegas loiras, foi complicadíssimo saber quem era quem. Só agora, na segunda semana, começo a tentar reconhecer o pessoal pelo rosto e não mais pela cor dos cabelos. Ontem descobri que a Andressa é a loira magrinha. Uma loira quase de cabelos escuros. Complicado. Até agora pensava que ela era uma outra. Loira, também. São muitas. Agora sei o nome de quase todas. Nem preciso anotar no bloco.